domingo, 28 de outubro de 2007

4.

Idalina senta-se cruzando as pernas num gesto de feminilidade pensada e pede à garçonete vestida de preto e vermelho que está na sua frente, uma coca-cola com gelo. A rapariga anota a pedido num papel timbrado a cheirar a môfo e dirige-se ao bar num passo atrapalhado. Idalina repara nisso e também no ar decadente da moça, que apesar de se esforçar por parecer segura não se mostra à vontade pelo facto de ser vista a trabalhar naquele lugar. Regressa em poucos minutos, com um copo de vidro grosseiro já meio cheio de bebiba e a garrafa ao lado e baixando a cabeça, confessa: “Não há gelo de momento minha senhora, não sei como fizemos isto. Peço imensa desculpa, mas...”
Idalina respira fundo para não se levantar e pedir para falar com a Madame já!, pois no fundo, ficou possessa de raiva, não porque quisesse tomar a coca-cola forçosamente fresca, mas porque tinha imaginado poder sentir de novo o prazer de ter um cubo de gelo na boca.

Não resiste muito bem ao sabor do gelo sem sabor e menos ainda às brincadeiras que adora fazer com a ponta da língua nos ditos cubos. É quase um vício que não sabe de onde lhe veio assim como tantos outros que andam por ai e por ali dentro da sua malinha encarnada. Pois claro que é uma malinha de mão, mas não é dessas que se costumam pavonear pelas ruas da cidade girando pelo ar chamando a atenção da vizinhança para os brilhos que as adornam. Não. A malinha de Idalina pavoneia-se mas não tem brilhos. É simplesmente encarnada e o seu valor reside no que traz lá dentro.

Sorveu o raio do líquido acastanhado de um trago só para, assim, engolir o berro que lhe apeteceu dar à empregada da Casa.
As borbulhas saborosas salvaram-lhe a pele quando, ao permitirem salvar-se de ficar engasgada com tamanhas goladas, lhe estimularam a fantasia.
Não havia gelo no bar, mas um cubo aguardava-a na preciosa malinha de mão.
Recostou-se de olhos fechados e instantaneamente, salivou. Humedeceu os lábios com suavidade e deliciou-se com a frescura que os perpassou vinda de dentro.
Soltou um riso atrevido e voltou a fechar a boca para não perder o cubo que, secretamente tinha entrado por ela dentro...

(Minutos poucos passados ouve segredarem-lhe ao ouvido, discretamente, que o Senhor Mistério chegou. Riem-se Idalina e Mariana e juntas sobem as escadas em caracol para o divertimento a três daquela semana!)

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